quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

SEGUNDA DEMÃO NA HISTÓRIA




Pintei Guernica, uma de minhas telas mais famosas, em 1937, por ocasião da Exposição Internacional de Paris. Sim, foi uma obra de encomenda, o que, na minha interessada opinião, não diminui em nada seu valor intrínseco.

A obra foi inspirada no horror provocado pelo bombardeio sofrido pela cidade espanhola de Guernica em 26 de abril do mesmo ano por aviões alemães que apoiavam o ditador Franco. Tenho certeza que você conhece o quadro, mas certamente não tem presente as imagens da pequena Guernica arrasada depois do bombardeio. Construções destruidas, corpos retorcidos espalhados pelo chão, centenas de civis, homens, mulheres e crianças, estarrecidos diante dohorror.

Em 1940, com Paris ocupada pelos nazistas, um oficial alemão, diante de uma foto do quadro, perguntou-me se havia sido eu quem tinha feito aquilo. Então, com o sangue quente espanhol, respondi: "Não, foram vocês!" Pena que o Tarantino não estava lá para registrar.

Alguns historiadores sustentam que o quadro já existia, que eu apenas adaptei. Para eles, a tela ficara esquecida em meu ateliê. Ao receber a encomenda para a Exposição de Paris, eu teria me lembrado
do quadro. Nesse meio tempo, Guernica foi bombardeada. Então, com umas pinceladas aqui,
uns retoques ali, eu teria criado uma tela de ocasião, de alto teor oportunista. O que uma cena
de arena com cavalo, touro e picador tem a ver com o bombardeio de Guernica, perguntam alguns especialistas desconfiados de minhas genuínas intenções.

Não pretendo aqui iluminar esse mistério. E nem acho isso importante. Estou numa fase Picassinho paz e amor. O tempo se encarregou de transformar o meu imenso painel num repúdio à violência.

Lembrei de tudo isso para contar que fiz uma nova versão de Guernica. Não se trata de uma atualização estética e nem mesmo de criar um factoide, algo em que realmente sou chegado. Desta vez, a minha intenção é outra. Fiquei sensibilizado pelo presidente Lula, aceitando as pressões, ter deixado na redação final do decreto que institui o Programa Nacional dos Direitos Humanos a Lei da Anistia criada pela ditadura, durante os anos de chumbo
no Brasil. Pensei: esse é um belo exemplo, vamos olhar pra frente, sem revanchismos. Tomado por essa emoção e munido de tintas e pincéis, voltei ao ateliê e logo foram surgindo as novas imagens. Veja aqui no blog como ficou. Desta vez, pintei numa tela um pouco maior. Pois a ideia não é que as duas convivam. Guernica 2 se encaixará perfeitamente sobre a Guernica 1.